Resumo Neste artigo, investigo a declaração recorrente de escritores e jornalistas latino-americanos sobre a impossibilidade de se fazer ficção em face de contextos opressores. Analiso duas narrativas, Garotas mortas, de Selva Almada, e Os vampiros da realidade só matam pobres, de Eliane Brum, que se apresentam como relatos factuais de intervenção. Minha hipótese é de que se a ficção se apresenta como impossível, ela é também imprescindível, uma vez que esse tipo de narrativa a exige. Para isso, discuto a emergência e as ambiguidades da noção de não ficção e proponho, a partir de Jacques Rancière, o entendimento de ficção como estrutura inteligível erguida por meio do encadeamento de situações e de atores determinados, o que obscurece limites entre literatura e jornalismo. Na análise das obras, evidencio os atravessamentos do documental para o literário e o modo como certa consciência ficcional se manifesta textualmente, mesmo diante da urgência afirmada de não ficção.

Abstract In this paper, I investigate the recurrent statement made by Latin American writers and journalists about the impossibility of writing fiction in oppressive contexts. I analyze two narratives, Dead girls, by Selva Almada, and The vampires of reality only kill the poor, by Eliane Brum. The stories are presented as factual narratives of intervention. My hypothesis is that if fiction is claimed to be impossible, it is also essential since narratives of this kind demand it. I first discuss the emergence and ambiguities of the nonfiction notion and propose, based on Jacques Rancière, the understanding of fiction as an intelligible structure constituted by the enchainment of certain situations and actors. This idea of fiction blurs the boundaries between literature and journalism. In the narrative analysis, I demonstrate the crossings from the documental to the literary and the way in which a certain fictional awareness is textually manifested, even in the face of the alleged urgency of nonfiction.

Resumo Neste artigo, investigo a declaração recorrente de escritores e jornalistas latino-americanos sobre a impossibilidade de se fazer ficção em face de contextos opressores. Analiso duas narrativas, Garotas mortas, de Selva Almada, e Os vampiros da realidade só matam pobres, de Eliane Brum, que se apresentam como relatos factuais de intervenção. Minha hipótese é de que se a ficção se apresenta como impossível, ela é também imprescindível, uma vez que esse tipo de narrativa a exige. Para isso, discuto a emergência e as ambiguidades da noção de não ficção e proponho, a partir de Jacques Rancière, o entendimento de ficção como estrutura inteligível erguida por meio do encadeamento de situações e de atores determinados, o que obscurece limites entre literatura e jornalismo. Na análise das obras, evidencio os atravessamentos do documental para o literário e o modo como certa consciência ficcional se manifesta textualmente, mesmo diante da urgência afirmada de não ficção.

Abstract In this paper, I investigate the recurrent statement made by Latin American writers and journalists about the impossibility of writing fiction in oppressive contexts. I analyze two narratives, Dead girls, by Selva Almada, and The vampires of reality only kill the poor, by Eliane Brum. The stories are presented as factual narratives of intervention. My hypothesis is that if fiction is claimed to be impossible, it is also essential since narratives of this kind demand it. I first discuss the emergence and ambiguities of the nonfiction notion and propose, based on Jacques Rancière, the understanding of fiction as an intelligible structure constituted by the enchainment of certain situations and actors. This idea of fiction blurs the boundaries between literature and journalism. In the narrative analysis, I demonstrate the crossings from the documental to the literary and the way in which a certain fictional awareness is textually manifested, even in the face of the alleged urgency of nonfiction.

RESUMO Neste trabalho, investigamos representações de vítimas de catástrofes em duas narrativas jornalísticas brasileiras contemporâneas: Todo dia a mesma noite, de Daniela Arbex, e Tragédia em Mariana, de Cristina Serra. Recuperamos, inicialmente, o significado e usos da palavra vítima para uma descrição dos tipos presentes nas narrativas. Analisamos, a seguir, as obras com ênfase na categoria da vítima, personagem que constitui a face humana do acontecimento. Objetivamos compreender como, em cada narrativa, as vidas afetadas são colocadas em enredo. Os resultados da análise apontam para projetos narrativos distintos e, por seguinte, de posições éticas também distintas acerca da representação das vítimas. A obra de Arbex reitera o trauma como núcleo dramático, que fixa as personagens (e possivelmente o leitor) no sofrimento; a de Serra atua investigativamente sobre a catástrofe, com a recuperação das histórias dos que morreram por meio da memória dos sobreviventes, que, em movimento, buscam justiça e reconstruir caminhos.

ABSTRACT In this paper, we study representations of catastrophe victims in two contemporary journalistic narratives in Brazil: Todo dia a mesma noite by Daniela Arbex and Tragédia em Mariana by Cristina Serra. We first study the meaning and uses of the word victim to describe the types of victims in the narratives. Our analysis of both narratives focuses on the victims. We aim to understand how the storytelling in each narrative develops the victims’ stories. The results of the analysis point to different narrative projects and, as a result, to different ethical positions regarding the representation of victims. Arbex’s work focuses on trauma as an emotional nucleus which all characters (and possibly the reader) suffer from. Investigating the catastrophe is the main focus in Serra’s work, with the stories of those who died told through the memory of those who survive them, who seek justice, and who look to rebuild their lives.

RESUMEN En este trabajo investigamos representaciones de víctimas de catástrofes en dos narrativas periodísticas brasileñas contemporáneas: Todo dia a mesma noite, de Daniela Arbex, y Tragédia em Mariana, de Cristina Serra. Inicialmente, recuperamos el significado y usos de la palabra víctima para una descripción de tipos existentes en las narrativas. Analizamos las narrativas con énfasis en la categoría víctima, personaje que constituyó el rostro humano de los reportajes. Pretendemos entender cómo, en cada narrativa, se enredan las vidas afectadas. Los resultados del análisis muestran diferentes proyectos narrativos y distintas posturas éticas acerca las representaciones de las víctimas. La obra de Arbex reitera el trauma como núcleo dramático, que fija los personajes (y posiblemente el lector) in el sufrimiento; en Serra, se avanza en la investigación de la catástrofe, con el rescate de las historias de los que murieron por medio del recuerdo de los supervivientes, que buscan justicia y rehacer sus vidas.